Segunda-feira, 27 de Fevereiro de 2006
Então, hoje, depois de ter chegado aqui
A este local do tempo que se traduz fisicamente num determinado ponto do planeta onde estou preso dentro do indumento que sou
A este lugar de emoções desperdiçadas
Às recordações que os resíduos delas me lembram
Com o odor familiar que me fazem sentir
Apesar de não ser detectado pelo olfacto dos outros
É-o pela minha imaginação
Enquanto vai escurecendo o dia que se perde na noite que chega
Preparo o corpo que me levará pelos locais do meu contentamento
Abrindo as janelas da mente
Dotando-me de mais um segundo de tempo
Fundo-me na atmosfera
E sou ele
Mundo que fascina pela sua diversidade
E morre pela minha ganância
Enquanto isso
Já morto
Morro com ele
Volto então para a cápsula que me acolhe
E deixo que me transporte no tempo
Sem destino conhecido
Hoje
Sexta-feira, 24 de Fevereiro de 2006
Sou criança
Olho para ele e não gosto do que vejo
Não percebo muito bem porquê
Comento com os meus amigos
E, parece-me, também eles não entendem muito bem a repugnância que fazemos questão de demonstrar perante a atitude que o sujeito toma em relação à vida
Resolvemos mostrar o nosso desagrado
Todos juntos, para que a motivação não se perca e, não se ganhe outras que poderão não ser muito do nosso contento
Lá vamos à procura daquele estranho divertimento
Sempre ignorando as verdadeiras razões
Contudo, impelidos por algo também inexplicável
Cerramos os dentes
Sobe-nos o sangue à cabeça
E sentimo-nos uns verdadeiros heróis
Com uma sagrada missão para cumprir
E, para que não haja duvidas da nossa enérgica condição de verdadeiros machos
Não deixamos os nossos créditos em mãos alheias
E cumprimos a missão na íntegra
O que sobra no final é uma extrema sensação no fundo do estômago que dificilmente passa. Que nos deixa mais incitados a voltar à carga na próxima oportunidade
Somos valentes
Não podemos ficar assim
Com remorsos
A próxima vez já não será para afrontar o alvo dos nossos furiosos ataques
Mas para expiar aquilo que, anteriormente, nos fez duvidar da legitimidade do acto e, ao fim e ao cabo, da nossa pertença coragem
Assim, como a solução já não está no inocente
Nem nunca esteve
Por desespero e manifesta incapacidade de compreender o que somos
Eliminamos aquilo que nos parece ser a origem do mal
Porém, incompreensivelmente
Ele continua lá
Quarta-feira, 22 de Fevereiro de 2006
Foto: Gabriel Rigon
Acordei da noite
Ainda entorpecido da imobilidade a que me sujeita
Mergulho o rosto na água benta que, milagrosamente, acorda o que dorme em mim
Abro os braços
Elevando-os para o horizonte que espreita pela janela
Penetrando através de sólidos e transparentes vidros
E que, indiscretamente, me toca
Elevando-me serenamente com o intuito de me levar a conhecer o mundo que é
Aberta a porta, deparo-me com uma imensidão de luz
A visão de um imensurável mar que sempre me acompanhou
Mas que nem sempre me deu a alegria que seria de esperar
Quando mais nada se espera de nós
Exigimos dos outros aquilo que nós próprios não alcançamos
Inabilidade
Deixo então que me leve
Vejo o solo e não o piso
Rompo o, agora, frio e cortante ar
E está quente o que sou
Continuo o périplo que me foi ternamente oferecido
Pela vida me desloco
Sempre
levitando nos seus braços
Sinto o seu pulsar
E, do seu, bate o meu
Segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2006
Foto "Noite": Ricardo Vinícios Batista
Adormeci sem memórias
Sono vazio de imagens que possa ter visualizado
Incapacidade de verbalizar o que poderei ter sentido
Na captação do que se deparou perante um olhar desprovido da capacidade de transmitir informações ao seu fiel guardador
Foi longa a noite
Percorri-a sem sonhos
Despojada de conteúdo
Não se fez obstáculo
E passou rápida por mim
Fria, negra e indiferente
Deixou que ficasse deitado naquele chão gelado combatendo o vento cortante, barrando as águas que tentavam passar por baixo daquilo que parecia o meu corpo, cerrando os dentes dele e apertando fortemente os braços no peito nu
entreguei-me a ela
Acordei preso em si
Que entretanto se tinha feito clara e quente
Quando ensopado do gelo acumulado que se derretia perante a luminosidade com que me banhava o desacautelado corpo
Deixei que fossem meus os seus raios
Quando os seus lábios me escorregaram na face
Recordei
Domingo, 19 de Fevereiro de 2006
Construindo-te...
Quinta-feira, 16 de Fevereiro de 2006
Auschwitz
Memória que não deseja-mos que se repita
Pedaço de tempo despedaçado que se derramou no chão que pisamos
No ar que respiramos
Absorvido pelas águas de pequenos e grandes rios
Depositando-se nas profundezas da terra
Esperando que a temeridade de povos triturados pela miséria e pelo desespero do isolamento implacavelmente imposto por outras insanidades, lance novamente o fertilizante fétido que precede os grandes genocídios
Porque não te deixam ficar onde pertences?
Que estranho domínio se apodera da mente humana?
Quando devassada pela reflectida imagem da sua pequenez pretende reduzir todas as outras à destruição total
Quando ameaçada por algo que parece maior do que aquilo que pretensamente somos
Impossibilitamos o seu crescimento
Oprimindo povos e culturas
Marginalizando-os, acossando-os, atropelando os sonhos de adultos
Minando as esperanças de crianças que só desejam o mesmo que as nossas
Olhando para este gigantesco mar vejo surgir das suas águas milhões de espíritos que se manifestam contra a irresponsabilidade presente
Implorando que não se repita tão ignóbil acto
Que cada um dos protagonistas de hoje se aliem de coração desguarnecido
E que coloquem aquele pedaço de tempo no lugar a que pertence
E outros pedaços que se agreguem
Quarta-feira, 15 de Fevereiro de 2006
Liberdade de expressão
Se não relatar o que penso da situação actual sinto que não o faço por limitações impostas
Ameaçado de morte
silencio o meu pensamento
A partir do momento em que o faço
Mesmo que não tenham cumprido a ameaça
Porque obedeci
Morro
E não me é feito o enterro físico por manifesta falta de corpo
Que entretanto definha fingindo que vive
Olhando o horizonte que se aniquila por crenças valorosas
Diminuindo o alcance que tenho dele
Cego
Corpo deixado a vaguear sem sepulto
Para que os demais arautos não caiam na tentação de usarem a palavra para descrever o sol que deveria desofuscar todos os espíritos
Esse sol, entretanto, vai escurecendo aqueles que, por falta de confiança nas suas práticas, destroem tudo o que lhes pareça ameaça aos seus ideais
Por precaução, pelo risco real de findar-mos aqui
Pelo confronto que se teme
Sepulta-se os espíritos de nós
Silenciamos então a nossa voz
Deixamos que a apatia domine os nossos olhares
E somos carcaças ambulantes que satisfazem vontades de povos inseguros quanto às suas crenças
Indignados, partimos à procura do que, por medo, nos foi retirado
Por medo, usamos aquilo a que chamamos LIBERDADE de EXPRESSÃO
E, num acto imprudente e não menos inseguro que outros já aqui criticados
Caricaturamos
Terça-feira, 14 de Fevereiro de 2006
Vai frio, aqui, neste lugar onde me encontro
Vai passando o tempo por ele
Envelhecendo-o
Cavando sulcos infindavelmente profundos no seu corpo frágil
Rasgando a visibilidade de si
Tornando-o cada vez mais desvanecido aos meus cansados olhos
Até que não reste mais do que pequenas lembranças do que foi um dia
Vai frio, aí na amargura do teu olhar
Na docilidade que carregaste no tempo até aqui
E que me ofereces agora no fim dos teus ternos batimentos
A experiência milenar
Que cronicamente desperdiço
Envelheço quando o espelho me diz que não
Rejuvenesço quando me sussurras ao ouvido o desejo de me levar nos braços
Iludindo com um calor artificial
Aqueces-me
Sábado, 11 de Fevereiro de 2006
Recomeçar cada segundo da vida
Esgota-se cada segundo dela
Confiar que, aqueles com quem falamos e abrimos as janelas do nosso mundo
Não vão pensar que, por isso, somos propriedade deles
Ingenuidade intrínseca de quem acredita nos outros
De quem só a consciencializa quando a dor morde e pouco se pode fazer para a anular
Desvanecesse assim o que poderia ser mágico para mim
Parecendo aos outros ilusão artificiosa do que queríamos ser
Sendo o que somos
Fraudulentos
Aos olhos daqueles que um dia entregamos a nossa credulidade
Por candura natural
Recomeçar pode ser aliciante
Mais o seria se um segundo pudesse ser um ano
...continuo a tentar alterar o modo como vejo o meu blog...